Por Leon Ayres – janeiro/2023
Minha curiosidade histórica sobre a China
Desde cedo a China me despertou muita curiosidade. No início, olhava para ela com um olhar místico, como um aprendiz que sonhava encontrar um monge no alto da montanha, que me ensinaria como seria o universo e nosso papel nele.
Durante certo período da adolescência as artes marciais chinesas me despertaram para tentar aplacar uma necessidade ingênua: fazer coisas difíceis, ou quase impossíveis. Não cheguei a este ponto, mas foi divertido. Longe de ter alcançado alguma virtuosidade, pelo menos imaginei que ficaria mais protegido e protetor. Não é verdade, mas fiquei satisfeito em achar. Pelo menos, fiquei um pouco mais confiante.
Minha mãe, que também acreditava em reencarnação (acreditava em todas as religiões, mesmo que tivessem contradições entre elas), havia consultado um médium que afirmara que eu já tinha sido um chinês. Achei pitoresco, mas não me encantei com esta história.
Dado o meu interesse, quase que vital, sobre o universo, resolvi aprender um pouco sobre o Taoísmo. Fui à Federação Taoíosta para beber na fonte. Esperava encontrar alguém com a aparência semelhante ao filósofo Lao Tsé, mas, para minha surpresa, quem veio conversar e me orientar sobre o assunto foi um chinês muito jovem cujos cabelos iam até a cintura. Uma das pessoas mais inteligentes que conheci. Aprendi um pouco e continuo pensando diariamente sobre o Tao. É muito difícil entender o caminho, a sua construção e a busca pelo inalcançável. Mas continuo tentando.
Na minha militância política conheci algumas pessoas que se diziam maoístas. Fiquei impressionado com as suas discussões, mas não me identifiquei politicamente. Critiquei muito a visão deles sobre a construção do setor primário da economia. Achava que esta política não iria muito longe, pois sem o setor secundário não haveria o desenvolvimento necessário para gerar tecnologias e riquezas do mundo moderno. Depois critiquei o período de desenvolvimento do setor secundário que seria realizado através das parcerias de joint ventures (empreendimentos conjuntos) com empresas multinacionais, principalmente na Manchúria, região localizada no nordeste da China. Eu estava errado…
A China é um dos maiores casos de sucesso da humanidade, mas o motivo do seu desenvolvimento ainda está para ser compreendido, pois, no ocidente, não temos paradigmas amadurecidos o suficiente para analisá-la.
A vida é feita de encontros
O que me inspirou a escrever este texto foi um artigo (que eu recomendo) do professor Elias Jabbour em conjunto com o professor Luiz Fernando de Paula, intitulado “A China e a “socialização do investimento”: uma abordagem Keynes-Gerschenkron-Rangel-Hirschman, publicado pela Revista de Economia Contemporânea.
Eilas Jabbour é Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da UERJ. Ele é um dos maiores especialistas sobre o processo de desenvolvimento da China. E Luiz Fernando de Paula é professor Titular da FCE/UERJ e do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UERJ e pesquisador do CNPq.
Estou na porta de entrada, antes do vestíbulo, tentando aprender mais sobre como se deu o desenvolvimento vertiginoso e singular da China nos últimos 50 anos.
Aprendi um pouco, não paro de pensar sobre o assunto e por isso resolvi escrever este texto, pois cada vez que eu escrevo imagino ou finjo conhecer mais sobre o assunto. Não imagino que serei fiel ao artigo, pois reconheço as minhas limitações nas análises econômicas. Mas fiquei empolgado.
Espero ser útil àqueles que se interessam pelo assunto, mas, como eu, não têm um conhecimento técnico aprofundado. Se você achar que está faltando muita coisa no meu texto, então estaremos juntos nas dúvidas e pesquisas.
O desenvolvimento econômico
O capitalismo começou a se estruturar em 1800, logo após a Revolução Francesa, que foi um movimento político insurrecional popular aliado aos interesses de uma burguesia que começava a consolidar seu espaço político-econômico. Ou seja, há mais de 200 anos atrás.
Alguns países se desenvolveram bastante durante este período, notadamente a Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos da América. Claro que outros acompanharam este desenvolvimento, mas poderíamos dizer que os primeiros ficaram no topo da “cadeia alimentar”.
A China se tornará a maior potência econômica do mundo até o final desta década. Mas como ela conseguiu se desenvolver em pouco mais de 50 anos? Qual modelo eles utilizaram para conseguir este resultado tão rapidamente?
Há, na atualidade, dois modelos de desenvolvimento que se contrapõem: o ortodoxo e o heterodoxo. Existe uma grande diferença entre estes modelo: o mecanismo básico do desenvolvimento.
No modelo ortodoxo o desenvolvimento é realizado espontaneamente pelo mercado, principalmente o financeiro que é considerado o grande investidor. Se o mercado estiver forte, ele investirá, criará empregos, gerando renda, lucratividade e progresso. A iniciativa privada tem um papel de maior relevância do que o Estado: “mais empresas no Estado e menos Estado nas empresas”.
No heterodoxo, o Estado tem o papel de regular a dinâmica de desenvolvimento a partir das políticas públicas. O processo é alavancado pelo aumento do emprego e renda, que propiciará as vendas de produtos no comércio, que vai adquirir da indústria, que comprará dos fornecedores de matérias primas. Segundo vários economistas, este é o modelo que propicia um desenvolvimento mais rápido.
Meu objetivo não é a análise das opções político-ideológicas de governos, mas a observação dos dois modelos tradicionais de desenvolvimento econômico.
O modelo ortodoxo
Um destes modelos é o que muitos denominam atualmente como o “Consenso de Washington”.
“Tem como base a ideologia neoliberal a partir dos EUA e do Reino Unido que se difunde no mundo a partir de uma agenda de reformas liberais, voltadas para economias emergentes (desregulamentação dos mercados, redução do papel do Estado, privatização, abertura financeira etc.) e difundidas por instituições multilaterais, como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Mundial. Para uma avaliação do Consenso de Washington, ver, entre outros, Stiglitz (1999) e Williamson (2000)”. (Citação de Elias Jabbour).
Este modelo tem uma visão que baseia-se na combinação de atuações do capital (nacional e estrangeiro) em privatizações e desregulamentação do mercado. É um dos modelos adotados em alguns governos no Brasil. Fortalece o mercado financeiro que dita as políticas, inclusive para os setores industriais e de serviços. O setor agropecuário é influenciado pelo mercado financeiro, mas nem tanto, devido à sua capacidade de escalabilidade de produção e exportação.
O desenvolvimento privilegia os setores detentores do capital. No Brasil estes setores detêm cerca de 95% do capital nacional, enquanto o resto da população fica com apenas 5%. É o modelo preferido do mercado financeiro.
O modelo heterodoxo
O modelo heterodoxo, também denominado desenvolvimentista, tem a percepção do papel do Estado como agente principal do processo de desenvolvimento. Foi adotado no Brasil entre 1930 e 1961 e nos governos recentes da socialdemocracia. Avançou, mas não passou do primeiro ciclo de transferência de renda.
O economista John Maynard Keynes, uma das grandes referências teóricas sobre o desenvolvimento capitalista, ressalta os diferentes aspectos da relação Estado e mercado e suas complementaridades. Para Keynes o Estado é responsável, indutor e às vezes regulador do desenvolvimento econômico.
Na China o modelo heterodoxo utiliza o método histórico-dedutivo. A ideia é criar diversos ciclos econômicos que se modificam ao longo do tempo para atender as necessidades do momento, no processo mais geral de desenvolvimento. Cada ciclo cumpre suas finalidades táticas dentro de um contexto estratégico de desenvolvimento. O Estado atua, não somente no nível do controle da indústria e das finanças, mas também como grande investidor.
A China e os ciclos de desenvolvimento
Um sistema planejado e gradual
O modelo de desenvolvimento na China se dá de forma gradual e planejada. Este gradualismo planeja e analisa cada ciclo de desenvolvimento. Desta forma permite-se que o próximo ciclo tenha como base o resultado do anterior. Assim, há como ajustar cada ciclo em função dos erros e acertos do ciclo anterior. O papel do planejamento, em suas diferentes formas, é amplo e em sintonia com a evolução institucional do Estado e do mercado.
O modelo adotado pela China tem seus aspectos cartesianos de condução dos projetos: análise, planejamento, execução e controle de qualidade. Utiliza-se como filosofia o controle dos ciclos dos projetos e instituições, através da definição do espaço político com a liberdade e a capacidade de o governo identificar e buscar a combinação mais apropriada de políticas econômicas e sociais para alcançar um desenvolvimento equitativo e sustentável que seja mais adequado ao seu contexto nacional específico.
Em cada um destes ciclos mudam-se as instituições e o seu caráter. Muda-se o papel do mercado e do setor privado segundo necessidades do planejamento e investimento. Há uma noção de complementaridade entre o os dois.
Evitando o processo predatório no desenvolvimento
O Estado tem um papel de guiar o desenvolvimento evitando a disputa predatória do mercado desregulado e das injunções políticas conjunturais. Não é incomum, nos modelos de desenvolvimento do capitalismo ocidental, o crescimento conduzido pela lei do mais forte. Quem é mais forte devora o mais fraco. Há pouco espaço para os empreendimentos dos pequenos e médios, que são a maioria em quantidade e empregabilidade. Quem toma conta das galinhas são as raposas. Na China isto é resolvido pela regulação e complementariedade entre Estado e o mercado.
Esta complementaridade também visa garantir os investimentos para o consumo da população e evitar que o Estado possa ser um substituto do setor privado e do próprio mercado. O Estado passa a ser empreendedor e investidor, em atendimento às necessidades da população chinesa em cooperação com a iniciativa privada. Tudo isso mediado por um complexo sistema financeiro.
O papel do sistema financeiro
Um sistema financeiro não alinhado com as necessidades produtivas gera lucros para si sem contrapartida de geração de riquezas e desenvolvimento nacional. Regular o mercado financeiro não é exclusividade chinesa. Acontece o mesmo na Alemanha e Polônia, por exemplo, onde os tipos de governos diferem-se entre si e da própria China. Na Alemanha os investimentos do sistema financeiro obrigatoriamente são direcionados para as aptidões locais. Os orçamentos e investimentos são decididos no nível municipal.
Em um município onde, por exemplo, as aptidões são a cultura de uvas e a fabricação de vinhos, o sistema financeiro tem que priorizar os investimentos nesta atividade. Todos ganham. O sistema financeiro não se enriquece da noite para o dia, mas garantem-se os projetos de médio e longo prazo. Seja de direita, de centro ou de esquerda, os governos não conseguem mudar esta estruturação de planejamento e investimentos.
O ciclo da abertura econômica
A partir de 1970 a China iniciou um processo de abertura econômica através da relação entre o Estado, mercado, iniciativa privada e sistema financeiro, através da centralização do grande capital em torno de cerca de 50 empresas estatais. As empresas estatais são garantidoras da produção (seja qual for o momento econômico) e balizadoras dos preços dos produtos e serviços.
Empresas privadas e públicas produzem serviços e produtos para responder às demandas da população. As empresas públicas servem para que o Estado avalie quais são os reais custos e benefícios operacionais das empresas estatais e privadas.
Em São Paulo, por exemplo, em determinado momento, as empresas públicas de transporte não tinham a responsabilidade de dar resposta a todas as demandas da população, mas ajudavam o gestor público a analisar os custos e modelos operacionais das concessões dos modais de transporte privados, inclusive definindo a necessidade de subsidiar o transporte privado.
O processo de abertura econômica na China foi regulado e racionalizado para o desenvolvimento de todos os setores econômicos da sociedade. Cresceram as empresas chinesas, as empresas multinacionais que se estabeleceram na China e a população, que antes miserável, agora atingiu um crescente padrão de classe média poupadora e pequeno-investidora.
A China vive um processo de desenvolvimento e crescimento singular na história da humanidade. Além deste crescimento veloz e gigantesco, tem hoje uma demanda de consumo nacional e internacional.
Em matéria de desenvolvimento tecnológico, saiu do copiar produtos com baixa qualidade ao desenvolvimento de grandes tecnologias.
Nestes últimos 35 anos a China teve crescimentos muito significativos, destacando:
– Crescimento médio do PIB em 9,5% a.a.;
– Aumento da Renda Per Capta: de US$ 250 (1980) para US$ 9.040 (2014);
– Investimento: 45,6% do PIB (2015);
– Reservas cambiais: US$ 35,9% do PIB;
– Tornou-se a maior credora líquida do mundo: US$ 1,97 trilhão ou 20% do PIB (2015);
– Tornou-se uma das maiores potências (comercial, industrial e financeira).
A nova Ordem Mundial
A China cresceu em 60 anos mais que os países europeus, que são seculares, e os próprios EUA. Do ponto de vista da gestão optou-se pelo que atualmente se chama de “política de projetamento”. Tudo é desenvolvido através de projetos.
A China cresceu em 60 anos mais que os países europeus, que são seculares, e os próprios EUA. Do ponto de vista da gestão optou-se pelo que atualmente se chama de “política de projetamento”. Tudo é desenvolvido através de projetos.
O que o Brasil tem a ver com isso tudo?
O Centrão nasceu no início do império?
O Centrão é considerado um dos males políticos do Brasil. E alguns pesquisadores estão chegando à hipótese de que ele não nasceu recentemente, mas quando as oligarquias se ofereceram para “dar governabilidade” a Dom Pedro I.
Eram setores escravistas que odiavam o povo. Verdade ou não, tem tudo a ver…
O Brasil acaba de sair de um governo cujo modelo de desenvolvimento é semelhante ao ortodoxo. Digo semelhante porque tem as políticas econômicas hegemonizadas pelo mercado de capitais, mas ainda é governado por um sistema patrimonialista das primeiras oligarquias.
Em 2023 a socialdemocracia ascende novamente ao poder trazendo consigo as bandeiras desenvolvimentistas, mas sem poder suficiente para implementá-las. A socialdemocracia teve que fazer concessões, abrigando em sua frente política parte dos setores que dominaram o governo anterior.
Há de se ter muita habilidade política e de negociação para retomar o modelo desenvolvimentista.
Política não é novela
Os nossos livrinhos de escola, os meios de comunicação e, agora, as redes sociais, tentam convencer a todos que a política é uma novela de embate entre o bem e o mal, encarnados em personagens.
Espero que este texto ajude a refletir a política como o embate de conflitos de interesse sociais, e não pessoais.
Política é a intermediação de conflitos de interesses sociais. As personagens são apenas instrumentos passageiros. Estes conflitos e embates existem há muitos séculos, muito antes destas personagens terem nascido.
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