Neste dia 08 de março de 2021 eu poderia apenas parabenizar o dia internacional das mulheres, tecer uma série de elogios e frases poéticas. Mas acho que este ainda é um dia de avaliação da situação e das vitórias que considero significativas.
O objetivo inicial da monogamia

Na minha opinião, um dos livros mais importantes para entender como as mulheres começaram a perder o seu poder é a compilação de trabalhos antropológicos, comentado por Friedrich Engels, denominado “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”. Os estudos não são do Engels, mas apenas as conclusões sobre eles.
Segundo estes estudos antropológicos, em determinada época da história humana, quando passávamos das hordas para grupos um pouco mais organizados, a estruturação social “pré-familiar” se dava a partir do conhecimento de quem eram seus descendentes. As relações sexuais se davam por um grupo de seres humanos férteis de determinada faixa etária. Desta forma, naturalmente, só as mulheres sabiam quem eram os seus filhos. Os homens não.
Saber quem são seus filhos dá a oportunidade de aglutinar pessoas em torno de si, por algum tempo, e herdar instrumentos e outros bens. É uma primeira forma de “acumulação”, que sugere um desenvolvimento do poder matriarcal.
Não vou entrar na especulação das motivações, mas houve uma disputa pela herança do poder de agrupar outras pessoas e instrumentos em torno de si. Para que isto acontecesse, os homens resguardaram uma mulher para ter seus filhos. Assim tornaram-se herdeiros e acumuladores. O significado original da palavra “família” é “tudo aquilo que me pertence”, ou seja, mulher, filhos, instrumentos, locais de abrigo e moradia etc.Uma acumulação um pouco maior do que tinham as mulheres anteriormente.
O trabalho compulsório e outras escravidões
Outro momento da história da submissão das mulheres é citado no importante livro “O trabalho compulsório na antiguidade” de Ciro Flamarion Cardoso.

Esta, que também é uma compilação de trabalhos de mestrado e doutorado em antropologia, mostra vários tipos de trabalhos compulsórios no Egito faraônico, na Baixa Mesopotâmia, no mundo grego e no romano. Um bom estudo para entendermos as dinâmicas entre os trabalhos compulsórios e a entrada e saída da escravidão em diversas sociedades mostrando as ascensões e declínios sociais dos indivíduos.
Mas o que eu trago para este texto é a noção de que a escravidão, ou o trabalho compulsório se dava de maneira diferente entre os homens e mulheres. Nos períodos onde se debruçam estes estudos um homem escravizado, não necessariamente era encarcerado ou acorrentado. Dependendo das suas habilidades era aproveitado em trabalhos importantes, inclusive militares. Escravos guerreiros, frequentemente, eram recrutados para participar de guerras onde conseguiam dominar e governar os lugares conquistados. Homens também conseguiam obter sua liberdade através de pagamento, cujo dinheiro era obtido por trabalhos, mesmo na sociedade civil.
As mulheres submetidas ao trabalho compulsório ou escravidão, trabalhavam em atividades que não lhes rendiam dinheito suficiente para comprar sua liberdade: tecelagem, ajudas domésticas e cortesãs, por exemplo. Lembrando que a prostituição era um meio independente de acumular dinheiro. As prostitutas tinham mais chance de ascender socialmente que as cortesãs. Para estas obterem a liberdade, teriam que casar com um “homem livre”. Ou seja, a divisão do trabalho já colocava a mulher em uma desvantagem significativa, tornando dificílima a sua mobilidade social.
Revolução burguesa
Ouvi de uma professora de economia a frase “a Revolução Burguesa veio para nos dar liberdade sobre os nossos corpos”. Uma ingenuidade que ilude grande parte da nossa atual sociedade.
Realmente a Revolução Burguesa veio estabelecer novas relações de produção e consumo, assim como tirou do topo da cena uma inútil aristocracia, que se tornara obsoleta.
Mas a formação familiar burguesa não foi nada boa para a emancipação das mulheres. Ao contrário, encarcerou-as em uma gaiola dourada. Perderam direito de autodeterminação, de ascensão social em troca de se tornarem “a rainha do lar”. Ser mulher passa a ser apoiar o homem, dar filhos e ser responsável pela moralidade. Ao homem, tudo. Inclusive ter outras mulheres.
Um dos livros mais importantes sobre a consolidação da família burguesa chama-se “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert. Narra a história de uma mulher casada com um homem, que tem todos os direitos, inclusive de ter amantes. Ela, infeliz no casamento, tenta a felicidade em um novo amor. Mas nada conspira a seu favor, tem uma vida extremamente sofrida, em que a angústia diante das impossibilidades de ter direito à felicidade faz com que ela acabe se suicidando.

A família a que todos se referem como do início da humanidade, na verdade é recente, nasceu na Revolução Burguesa que a controla com severidade. Como analisa o filósofo Foucault, esta revolução vigia e pune.
Da briga na cozinha à luta social
Mas a luta pela emancipação da mulher, nas últimas décadas, também foi distorcida por uma cortina-de-fumaça criada a partir das críticas de costume.
A discussão sobre quem deve lavar a louça, levar a criança à escola, ter um comportamento “assim ou assado” passou a ser referência para medir a igualdade entre os homens e mulheres. Estes são aspectos importantes apenas para a crônica de costumes.
A discussão e luta da emancipação das mulheres passa obrigatoriamente pela luta política e econômica. E não é apenas uma luta pela igualdade econômica se esta for feita igualando por baixo.
Em determinado momento houve uma luta pela justa inserção das mulheres no campo do trabalho. Mas esta luta foi parcial e trouxe alguns problemas. As mulheres foram inseridas no sistema com salários abaixo dos dos homens. Em um segundo momento os salários dos homens foram rebaixados. Uma vitória parcial para as mulheres, mas uma perda geral dos trabalhadores. A inserção deve passar necessariamente por uma compreensão e atuação política capaz de lutar pela igualdade salarial, por cima. Ainda vemos que as mulheres, no geral, ganham menos que os homens, e os homens ganham menos que antes.
Chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins e Marielles
A problemática da subordinação social da mulher não diz respeito a um passado recente. Existe há milhares de anos e vem sofrendo mutações para tentar sobreviver sem ser muito percebida.
Muito menos diz respeito a uma relação de costumes entre homens e mulheres.
Para que as mulheres consigam a sua emancipação é necessário que estejam à frente de todas as lutas políticas e econômicas.
Sem as mulheres à frente, nunca haverá mudanças sociais.