Avaliação de Desempenho no DATASUS

Vozativabrasil  – 04 de fevereiro de 2011

Há alguns meses os servidores do DATASUS foram convidados para uma reunião, convocada pelo Ministério da Saúde no auditório da Rua México, no Rio de Janeiro, para que fosse apresentada a metodologia que será utilizada nas avaliações de desempenho regidas pelo Decreto número 7.133. Esta portaria tem o objetivo de avaliar o desempenho das instituições e os servidores.

Creio que a equipe do Ministério que veio fazer a apresentação ficou um pouco surpreendida com os questionamentos dos servidores. Mas ao longo da reunião as coisas foram se esclarecendo.

Avaliação institucional

Um método por si só não é capaz de garantir a execução de uma tarefa, de um projeto ou mesmo de representar uma realidade.

Segundo a portaria a avaliação será equivalente a 80 pontos para a avaliação institucional e 20 pontos para a avaliação individual. Um bom critério se você quiser subordinar o crescimento individual ao crescimento institucional. Devemos ser os carreadores dos objetivos institucionais. E foi exatamente aí onde a discussão foi mais aprofundada e não ficou resolvida. Aliás, a equipe que veio conversar com os servidores não tinha nenhuma prerrogativa para fazer qualquer encaminhamento sobre o assunto, mas nos ouviu com atenção e respeito. Valeu pelo menos pelo desabafo.

Mas é importante que levemos esta discussão a público para que possamos aprimorar o DATASUS, uma instituição que construímos com muito suor e dedicação.

Estamos encerrando a pior gestão da história do DATASUS. E olha que tivemos várias muito ruins também.

Um bom gestor pode elevar uma instituição ou levá-la ao declínio. Temos um caso histórico do brasileiro Carlos Ghosn, presidente ao mesmo tempo da Renault e da Nissan, que tirou as duas empresas da beira da falência e as elevou ao patamar das grandes empresas competitivas do setor automobilístico.

No caso do DATASUS a última gestão está representada pelo Luis Gustavo Loyola dos Santos. Sua administração foi marcada pela tentativa de esvaziamento do DATASUS do Rio de Janeiro e das nossas heróicas e abandonadas Regionais, pelo total desinteresse pelas soluções de tecnologia da informação (TI) desenvolvidas pelo DATASUS ao longo de quase vinte anos, e pela sua sede insaciável de adquirir softwares privados. Por isto gastou mais de seu tempo viajando para visitar fornecedores, no Brasil e no exterior, do que se reunindo com os servidores do DATASUS do Rio de Janeiro para fornecer os recursos necessários e solicitados para a natural continuidade evolutiva das soluções de TI existentes. O diretor conseguiu substituir o conceito SOLUÇÃO DE TI por DISSOLUÇÃO DE TI para a área pública.

Um destes fornecedores nacionais era a empresa Humano Tecnologia, onde seu amigo Rogério Sugai foi um dos sócios até pouco tempo atrás. Enquanto assessor da secretária executiva do Ministério da Saúde, Sugai encaminhou um projeto de aquisição de solução de TI para os hospitais federais no Rio de Janeiro (pregão 118/2009) sob a alegação de fornecer uma ferramenta de registro eletrônico do paciente integrado com o Cartão Nacional de Saúde. Só que o DATASUS já estava desenvolvendo esta mesma solução e Loyola nunca quis ver o que o DATASUS estava fazendo. No final desta história a sociedade se manifestou contra o projeto. A imprensa noticiou o fato como um escândalo, que para a imagem do DATASUS não foi bom. O Ministério Público agiu e o TCU determinou o cancelamento por irregularidades. Loyola foi multado em cerca de três mil reais, que em termos de punição é apenas um “ái, ái, ái”.

O DATASUS desenvolveu um Registro Eletrônico do Paciente integrado com o Cartão Nacional de Saúde, que está implantado e evoluindo. Neste caso a meta institucional não foi atingida, mas os servidores atingiram metas que não estavam descritas nos planejamentos da direção do DATASUS.

Como resolver este dilema na avaliação de desempenho?

Incompetência ou má intenção (o Haiti é aqui)

Há casos patéticos que podem parecer incompetência, mas alguns acham que era má intenção mesmo.

É o caso da renovação do contrato de telefonia. Era necessária a mudança de operadora para melhor adequar os custos neste setor. O DATASUS do Rio de Janeiro preparou todo o processo e entregou para o diretor em meados de 2010. No final do ano o diretor não havia encaminhado corretamente este processo e o DATASUS do Rio de Janeiro ficou sem poder realizar ligações. Clientes, parceiros, usuários ficaram sem o retorno de várias atividades de suporte, de planejamento e outros atos de ofício institucionais. Se foi por falta de habilidade, caracteriza-se por incompetência. Se foi intencional, seria crime de prevaricação.

Esta não é a única privação a que fomos submetidos. Elas aconteceram em todos os níveis. Chegamos ao ponto, por exemplo, de não termos tonner para as impressoras, de faltar café, de não termos como enviar documentos e outros instrumentos administrativos pelo fato da não renovação do contrato com a empresa que fazia o expediente dos malotes e também problemas com fornecimento de água.

Muitos acham que a intenção desta gestão seria destruir o DATASUS do Rio de Janeiro e as Regionais para afastar de vez a massa crítica que construiu a instituição e as soluções de TI.

Se a intenção era destruir o DATASUS, o “exterminador do futuro” não conseguiu completar sua missão. Mas também vale observar que o Haiti continua lá, mas daquele jeito, sob escombros de um terremoto que foi cruel àquele povo que já sofria pelas sucessivas “invasões bárbaras”.

Loyola não conseguiu destruir o DATASUS, mas foi um terremoto que deixou muitas riquezas sob os escombros. Agora teremos a tarefa de reconstruir administrativamente a instituição.

Mas pelos critérios da avaliação de desempenho o diretor sempre atinge os 100 pontos!

Esperamos que a presidenta Dilma, ao longo de sua gestão, modifique este critério para não cairmos na situação do caso Bresser Pereira.

Quando ele foi ministro pela primeira vez deixou o Brasil com um problemão. Tanto que houve uma enxurrada de processos na justiça contra o Plano Bresser. Inclusive ele entrou na justiça contra seu plano. Um prejuízo para o país. Alguns anos depois ele retorna como ministro.

O Brasil não merece casos Bresser. O DATASUS não merece casos Loyola.

Pela renovação no Datasus

Vozativabrasil, 29 de agosto de 2009

Uma das piores recordações da última gestão foi aquela greve onde alguém da direção chamou a Polícia Federal. Foi o Dia de Luto. A greve era reconhecidamente justa e pacífica. Todos esperavam outra postura daquela gestão composta pelos quadros do próprio Datasus, como por exemplo a ajuda na intremediação das negociações. Após este episódio os servidores se desenganaram completamente. Para o Datasus foi um dos períodos mais negativos da sua história.

O Dia de Luto

Trecho da matéria no Vozativa

“No dia 28 de junho de 2007, o Datasus viveu uma das cenas mais lamentáveis da sua história. A Polícia Federal foi chamada para fazer entrarem os contratados. Foi uma frustração e constrangimento geral. Os servidores ficaram indignados. No hall dos elevadores do oitavo andar vários terceirizados informaram que não estavam querendo furar a greve mas estavam sendo pressionados. Outros se sentiram tão constrangidos que mesmo assim não entraram. Não é nem um pouco agradável entrar para trabalhar através de uma ação policial, quando o clima da greve era o mais pacífico possível.”

Depoimento de uma colega de trabalho

“Como foi muito bem dito por um dirigente sindical ninguém estava ali para bater. Nem para apanhar. Mas, justificou-se, não sei como, a solicitação da presença da Polícia Federal, com homens armados para garantir a entrada dos contratados. Este momento foi profundamente triste.

Insistindo comigo mesma numa postura imparcial, vi colegas contratados com os quais convivo diariamente, passarem por nós de cabeça baixa e testa franzida. Alguns servidores batiam palmas irônica e nervosamente, outros não sabiam o que fazer. Percebi que se sentiam desconfortáveis com tal constrangimento para ambos os lados. A Policia Federal impunha o afastamento dos servidores e contratados passavam por um estreito corredor formado por servidores.”

Habilidade

Há alguns anos antes, quando o Datasus ainda ficava em Botafogo, fizemos um movimento, por também justas reivindicações. O diretor daquele período foi ao secretário executivo para intermediar a negociação. O secretário executivo veio ao Rio de Janeiro, sentou-se com os representantes dos servidores, viu que as reivindicações eram justas e encaminhou imediatamente a solução daquelas reivindicações. O inteligente secretário sabia que esta era a melhor tática para resolver logo os problemas e tocar a instituição com o apoio dos servidores. Para ele, fazer o Datasus funcionar foi mais importante que ingenuamente imaginar que a investidura do seu cargo fosse suficiente para exercer seu poder. O maior poder é o da negociação, que mantém a dignidade de todos. Ele não saiu fraco desta negociação, muito pelo contrário.

Contratações indevidas

Após a última greve, o Datasus passou por uma das piores gestões. Empreguismo, contratos estourados, nomeação para atender favores, falta de diálogo e inexperiência para gerenciar projetos enfraqueceram a instituição. As contratações de técnicos sem o perfil exigido pelo objetivo do contrato com a CTIS prejudicou em muito o desenvolvimento de sistemas. Resultado: Datasus inchado, com grande perspectiva de ser desmoralizado diante da opinião pública.

Parte deste empreguismo foi realizado no Rio de Janeiro e outra no Distrito Federal. Se com a estrutura atual da máquina pública estas nomeações são possíveis, imaginem em uma fundação estatal onde os funcionários são regidos pela CLT. A cada governo a renovação do quadro de funcionários, tal qual no início da república e antes dos moralizantes concursos públicos. Tanto no RJ quanto no DF o Datasus se tornou a verdadeira mansão da mãe Joana, ou melhor, o senado da mãe Joana.

Abandono e frustração

As Regionais continuaram abandonadas e mal coordenadas. Investimento zero, profissionais desvalorizados, falta de dinheiro até para deslocamento dentro do próprio estado. As Regionais do Datasus são verdadeiros heróis da resistência, conseguindo tirar leite de pedra e andar pelo deserto sem água.

De frustração em frustração a última foi a despedida do diretor anterior, que afirmou que havia solicitado à secretária executiva a sua substituição.

Demissões inevitáveis

Inchado, com um tumor maligno em suas costas, o Datasus estava correndo um risco enorme de ter que colocar à disposição praticamente todos os contratados da CTIS em novembro de 2009. Pelas contas da gestão anterior, mais de cinqüenta contratados seriam demitidos!

Coube a atual gestão do Datasus ficar com o mico preto para fazer os cortes que foram realizados a partir das listas criadas pelos gerentes e chefes de equipes. É importante deixar claro quem fez as escolhas, mesmo sendo eventualmente as de Sofia. Com isto alguns bons profissionais foram colocados em disponibilidade e injustiçados.

Renovação necessária

Os servidores do Datasus estiveram por um bom tempo com a cabeça baixa, desanimados e sem esperanças. Dá para entender, mas não é nem um pouco saudável para a instituição nem para cada indivíduo. O melhor para a saúde de cada um e do Datasus é a vontade de mudar, a busca pela dignidade individual e o compromisso com a máquina pública.

Durante os últimos dois anos ouvi dos colegas as reclamações que descrevi nesta matéria. O Datasus precisa mudar, não só as pessoas que comandam, mas principalmente os paradigmas. Não temos a estabilidade para simplesmente garantirmos os nossos empregos. A estabilidade é necessária para a manutenção da máquina pública, para nos contrapormos a politicagens de grupelhos que sugam o sangue nas veias do estado, garantirmos a continuidade dos projetos e construirmos políticas de estado.

O peso da fumaça

Vozativabrasil – 16 de setembro de 2008

Conta a lenda que um lorde inglês apostou com um colega de que seria capaz de pesar a fumaça. E demonstrou com sua inusitada lógica de que seria possível. Pegou um charuto, acendeu e fumou-o inteiramente depositando as cinzas na balança onde o havia pesado previamente. Ao término afirmou que o peso da fumaça era a diferença entre o peso do charuto e as cinzas depositadas na balança.

No início do segundo mandato de FHC, aportou no cais do Datasus o luso-brasileiro Arnaldo Machado que assumiu a diretoria com um séqüito, que nem sempre ficava do seu lado, mas que estava a defender interesses colonizadores semelhantes.

Uma das suas idéias “brilhantes” e “modernizadoras” era transformar o Datasus em uma agência reguladora. Estava na moda. O Datasus não mais desenvolveria sistemas. Prospectaria, homologaria e disponibilizaria para o SUS. Ou encomendaria o desenvolvimento a empresas de Tecnologia da Informação.

Assim nasceu o Projeto Hospub WEB e começou o início da tentativa de extermínio do Hospub, cuja equipe teria que ser desmantelada até que o sistema morresse de inanição.

Tá legal, eu aceito o argumento…

Vozativabrasil, 10 de setembro de 2008

Caros colegas do Datasus,

Já há algum tempo venho sendo questionado pelo fato de o Vozativa não estar no ar. Sei que esta cobrança traz consigo a vontade que todos têm de estarem informados e terem alguma possibilidade de participação. Muito justo e compreensível, pois o Vozativa desempenhou o papel de veículo de informação, e muitas vezes de luta, durante sete anos, com um jeitão de jornal eletrônico.

Foram centenas de matérias que revelaram o quanto os gestores do Datasus sempre estiveram distantes do corpo de servidores. Através do Vozativa os servidores colocaram para fora suas revoltas, angústias e principalmente propostas. E pela primeira vez na história do Datasus os servidores das Regionais – eternos ilhados e abandonados – puderam ter alguma voz e se comunicarem com o restante do país. A todos das Regionais, aquele abraço.

Estamos criando uma nova estrutura no site para facilitar a publicação de matérias e comentários. A nova versão do Vozativa permitirá que você envie matérias diretamente para um moderador, que dará toda liberdade de expressão, desde que não sejam ofensivas. Não haverá mais edições, não será necessário. Basta enviar sua matéria que ela será publicada em pouquíssimo tempo. Todos poderão fazer comentários, que serão incluídos logo abaixo das matérias.

Parafraseando Paulinho da Viola: “a rapaziada está sentindo a falta”, então “tá legal, eu aceito o argumento.” Vamos tentar melhorar tecnicamente para tornar o Vozativa mais ágil e mais participativo. Nossos colegas das Regionais a aposentados poderão se comunicar mais facilmente.

Faço um convite a você para que também seja membro dessa equipe.

Histórias de barcos

Vozativabrasil, 09 de setembro de 2008

Durante a segunda reunião com a Secretária Executiva, ela perguntou se os servidores do Datasus não estariam todos no mesmo barco. O assunto virou polêmica, e na tentativa de ajudar os colegas a escolherem embarcações e destinos, o Vozativa traz algumas histórias que envolvem barcos. São dois casos famosos: um de sucesso e outro de fracasso. Finalizando trazemos uma análise metodológica sobre modelo de gestão a partir de uma suposta competição de remo entre Brasil e Japão.

Caso de sucesso – Ouvindo a equipe em um barco humanizado

Um pouco antes das olimpíadas de 2008, o multimedalhista Robert Scheidt deu uma entrevista para uma emissora de TV, contando suas experiências nas diversas olimpíadas em que havia participado. Atleta muito técnico e disciplinado, Scheidt sempre primou pela capacidade de se antecipar aos fatos e aos ventos.

Muitas pessoas que fazem jardinagem costumam falar com as suas plantas. Dizem que as estimulam e as ajudam a ficarem viçosas. Scheidt também tem uma relação bem íntima com seus barcos. Ele conversa com eles. Diz o quanto está preparado para determinada prova; nas derrotas lamenta ao lado deles; celebra nas vitórias e dá satisfações. Mas Scheidt não traz para si todos os louros de suas vitórias. Ele credita grande parte de seu sucesso à sua equipe, pois ele a ouve, a ponto de algumas vezes mudar de rumo para chegar ao porto planejado. Segundo Scheidt, este é um dos segredos do seu sucesso.

Caso de fracasso – P34 da Petrobrax

Já a experiência da plataforma brasileira P34 foi bem diferente. Afundou antes de chegar ao seu local de trabalho. Foi um vexame para o país, mas diagnosticado.

Nas análises do desastre foi mostrado que a plataforma foi construída com a filosofia da terceirização dos serviços e suas lendas da época. A má gestão também comprometeu consideravelmente o projeto. Foi uma tragédia anunciada, já que os petroleiros já haviam se posicionado contra a terceirização e criticado a incompetência daquela gestão. A falta de humildade e a falta de diálogo com os petroleiros foram as maiores causas do fracasso.

Análise metodológica – Competição de remo

Foi realizada uma competição entre a equipe de remo do Japão e a equipe de remo brasileira.  A competição se inicia, mas o resultado não é  favorável para a nossa equipe… Chegamos com uma hora de atraso em relação aos japoneses.

Os brasileiros, indignados, fizeram várias reuniões para averiguar a causa da derrota. Assim ficou o resumo do relatório que fazia a comparação das equipes:

Japão: 1 Chefe de Equipe e 10 Remadores
Brasil: 10 Chefes de Equipe e 1 Remador

Descoberto o grande erro, a equipe brasileira foi remodelada para a próxima competição. Porém, perdemos novamente e, dessa vez, o nosso atraso foi de 2 horas. Mais uma vez foram convocadas reuniões e viagens para o estudo das causas. Segue o resumo:

Japão: 1 Chefe de Equipe e 10 Remadores
Brasil: 1 Chefe de Equipe,  3 Chefes de Departamento,  6 Auxiliares de Chefia e  1 Remador.

Mais uma vez, o erro foi identificado e uma nova equipe foi montada.

Tudo foi levado em conta: resizing, downsizing, PDS, PMI e ainda economistas opinando. Conceitos de modernidade e globalização passaram a ser considerados. Porém, na hora da competição, o Brasil chegou com 3 horas de atraso. Mais reuniões, etc. Foi feito outro levantamento…

Japão: 1 Chefe de Equipe e 10 Remadores
Brasil: 1 Chefe de Equipe,  3 Chefes de Departamento,  2 Analistas de Negócio,  2 Controllers, 1 Auditor Independente, 1 Gerente de QualidadeTotal e 1 Remador.

Depois de muitos argumentos e discussões, chegaram à seguinte conclusão definitiva: o problema era, claro e evidente, do remador, que, com certeza, por culpa de influência do sindicato e por causa de sua falta de treinamento não era capaz de exercer sua atividade com eficiência. A solução sugerida foi a privatização ou terceirização e/ou contratar um remador que não fosse da folha do clube.

Não podemos ficar parados

O Datasus, ironicamente é vítima do seu próprio sucesso. Somos uma ilha de competência cercada de olhares interessados por todos os lados. O Datasus é um órgão de excelência na área de tecnologia da informação em Saúde. E tudo isto foi construído empiricamente, sem tutela,  com a consciência da nossa missão e com parcos recursos que dispusemos. 

O SUS é um sistema descentralizado onde as negociações entre as três esferas determinam uma política de continuidade independente dos governos. O SUS não pode ficar subordinado a apenas uma destas esferas sob pena de se atrofiar em politicagens e interesses localizados. A descentralização contribui para a integridade do sistema, fortalecendo seus princípios mais gerais. Graças a isto o SUS sobreviveu aos governos que pregavam o Estado mínimo e privatizado.

O Datasus, assim como o SUS, também não pode ficar subordinado a apenas uma esfera do SUS, seja federal, estadual ou municipal, pois ficará refém de interesses exclusivos. Nossa subordinação à Secretaria Executiva nos trouxe grandes problemas de identidade, limitando bastante nosso campo de atuação. Chegamos a ponto de vermos gestores do MS solicitarem sistemas que só captavam dados de interesse do próprio ministério, deixando de lado os dados de interesse dos estados, municípios, médicos e cidadãos. Por isto, a transformação do Datasus em um Instituto, não subordinado a nenhuma esfera exclusivamente, mas sim ao SUS como um todo, é de suma importância para a própria sobrevivência de um sistema de informações de saúde que seja público, gratuito e controlado pela sociedade.

A resistência dos servidores do Datasus a um tipo de política direcionada por apenas um setor do SUS, restringente e ávida por instrumentos de dominação, no caso a informação em Saúde, acabou criando uma zona de atrito. O Datasus passou a ser tratado pelo MS como um rebelde que só tinha interesses corporativos. Vários setores do MS se encarregaram de fazer uma grande propaganda negativa do Datasus. E estes setores, ao longo de várias gestões, vêm montando acampamento dentro da própria estrutura da instituição, com o objetivo de transformar o Datasus em apenas um braço da política de interesses localizados.

Neste sentido várias táticas são adotadas. Uma delas é transferir a inteligência e a produção de sistemas para o Distrito Federal. Isto pode ser realizado de diversas formas como: a transferência de sistemas existentes para lá, o desenvolvimento de novos sistemas por empresas terceirizadas ou por contratados, a adoção de sistemas desenvolvidos fora do Datasus, o não investimento no Datasus-RJ que desenvolveu praticamente todos os sistemas, assim como outras táticas semelhantes.

 

A integração do Datasus-RJ com o Nerj criará as condições para pulverização e diluição do Datasus a nível nacional, indo na direção contrária da sua transformação em um Instituto de tecnologia da informação que sirva ao SUS como um todo. 

O Datasus-RJ não se transformará em uma Regional. Ele, junto com as outras Regionais, se transformarão em instâncias estaduais do MS. O único Datasus que existirá formalmente será o Datasus no DF. Ficaremos apenas com o apelido e por pouco tempo. O tempo urge e não podemos ficar parados.

Aprendendo com a história

Vozativa edição 110 – 02 de março de 2005

Quem milita politicamente sabe que muitas tendências disputam entre si os espaços para tentar implementar suas propostas. Isto é natural e não é exclusividade da esquerda ou da direita. Durante muitos anos, estas tendências de esquerda disputaram sindicatos, associações e outras entidades populares. Até aí nada de mau. Muito pelo contrário, esta é a disputa democrática.

O problema surge quando a esquerda ascende ao poder. As tendências se conhecem muito bem, e por muitas vezes, a corrente hegemônica, teme perder espaço e aí comete o erro que a devora. Acaba fazendo alianças com setores mais à direita para garantir que tendências menores de esquerda não a ameacem. Há partidos de esquerda que incentivam a migração de antigos inimigos para dentro das suas fileiras só para garantir votos no parlamento. Ingênua ilusão.

Segundo Darcy Ribeiro, que viveu no Peru esta experiência, as alianças políticas e administrativas que o governo fez, isolaram vários setores de esquerda para garantir uma pretensa governabilidade. O governo acabou realizando uma aliança social-liberal descaracterizando suas próprias propostas de um governo popular e democrático. Também não garantiu no parlamento que as propostas do governo fossem aprovadas pelo fato de existir tal aliança, pois como em quase todos os parlamentos do mundo, o lema que prevalece é o do antigo deputado Robertão (PFL): é dando que se recebe. Para o governo passar uma proposta tem que liberar alguma verba ou aprovar algum projeto de interesse particular.

Os setores liberais, logo que se fortaleceram novamente, graças à ajuda do governo, racharam e passaram a atacar o próprio governo. O desgaste foi tão grande que nas eleições seguintes quem ganhou foram os liberais que radicalizaram para a direita. Daí em diante foram vários governos fascistas, corruptos e anti-sociais, como no período Fujimori.

O mesmo aconteceu na Nicarágua com a Frente Sandinista. Os irmãos Ortega, líderes da corrente hegemônica da Frente, também fizeram alianças com os antigos setores liberais e acabaram por descaracterizar e desmantelar todo um projeto construído na luta, por anos, para criação de um governo popular e democrático. Perderam “feio” as eleições e até agora não conseguiram articular alguma oposição aos liberais.

Temos que estar de olho no futuro, aprendendo com os erros cometidos no passado.

No Brasil, há poucos dias saiu uma charge na imprensa sinalizando que de agora em diante a Câmara dos Deputados dará o tom da política com a antiga marchinha de carnaval, que também inspirou a política Robertão: “Mamãe eu clero, mamãe eu clero mamar …”.

Macunaíma

Uma parte muito interessante da obra Macunaíma, de Mário de Andrade, é o momento em que ele tem que comer a própria carne para sobreviver. O diálogo entre Macunaíma e um pedaço da sua perna é muito engraçado.

Depois da eleição do Severino Cavalcante, a oposição e os vários “aliados” do governo resolveram atacar a Medida Provisória 232. Defensores exclusivos, dentro e fora do governo, dos interesses da burguesia nacional, já bradaram: “se o governo quer dinheiro, que gaste menos”. Ou seja, cortar gastos, e assim como Macunaíma, que coma a própria carne para sobreviver.

A carne somos nós, funcionários públicos e os investimentos sociais. Se alguém sonhava com reajuste espontâneo é bom se preparar para brigar por ele. Os movimentos sociais também vão ter que lutar para disputar cada centavo. A Reforma Agrária, fundamental para solucionar muitos problemas sociais (pois não atinge apenas aos sem-terra) ficará prejudicada, tornando possível a volta da radicalização no campo.

A transposição do Rio São Francisco está garantida. Vai beneficiar algumas cidades e a monocultura de frutas para exportação. A água não chegará ao semi-árido. Lá, os sem-terra, sem-luz, sem-água e sem-dignidade também terão que comer a própria carne para sobreviver.

Dormindo no Metrô

Vozativa edição 107 – 03 de novembro de 2004

Diariamente pego o Metrô no RJ para vir ao trabalho. Como eu moro próximo do centro da cidade, não utilizo os bancos, prefiro vir em pé. Todos sabemos que os bancos de cor laranja estão reservados para idosos, pessoas com crianças etc. Não é incomum ver um marmanjo fingindo estar dormindo nestes bancos. Uma tremenda falta de solidariedade.

Já notei também, que independente da cor do banco, quase que somente as mulheres oferecem assento às grávidas. Muitos homens fingem não vê-las e outros continuam fingindo que estão dormindo…

Desculpem o desabafo, mas acho que crianças, velhos, grávidas e pessoas com dificuldades devem receber todo o carinho e solidariedade possíveis.

O preço do terno do Lula

Vozativa edição 104 – 20 de setembro de 2004

Uma das maiores ironias políticas é você ter uma proposta que outro vem, se apropria e a leva mais adiante que você. Pior ainda quando este que leva sua proposta adiante é seu adversário. Neste caso, sua proposta, ou sua bandeira, foi roubada. Pode ser que você tenha elaborado mal a sua proposta ou talvez você não consiga levar adiante a sua bandeira. Sempre há muito a aprender. O melhor é vestir as sandálias da humildade, reconhecer os méritos de quem conseguiu concretizar a proposta, fazer autocrítica, enfim… repensar.

O Brasil sempre enfrentou problemas econômicos. Dizem que um ano após os portugueses chegarem ao Brasil, a crise econômica já estava instalada, mas um economista da corte sossegou a todos dizendo que era passageira e que ele tinha um plano para acabar com ela…

Ao longo da história capitalista brasileira, a elite dominante tentou hipocritamente acabar com a inflação e não conseguiu. Falo hipocritamente, pois a inflação sempre foi utilizada para roubar os mais desprotegidos. Esta conversa de que a inflação corrói os salários é meia verdade.

A inflação retira poder de compra dos salários dos desprotegidos em favor da elite e suas empresas.

Nenhum plano feito pela elite deu resultado, é claro. Todo mundo lembra dos planos que duravam um ano, o suficiente para se ganhar uma eleição. A propaganda da elite ameaçava a população com uma esquerda que não saberia administrar a economia, levando o país ao caos e a anarquia. Então seríamos dominados pelos soviéticos ou cubanos (sem direito à salsa ou charutos). Passada a eleição, a crise voltava e a inflação cumpria seu papel.

É impossível não reconhecer que foi exatamente um governo de esquerda que conseguiu dominar a inflação de tal forma que, pela primeira vez na história recente, o Brasil está começando a crescer de forma sustentável.

O Brasil lançou-se aos negócios internacionais sem subserviência, tendo aumentado de forma extraordinária as suas exportações, capitalizando o país. Graças a estas capitalizações o Brasil vem pagando a dívida externa sem pedir mais emprestado, o que coloca o Brasil em uma posição mais favorável para impedir ingerências do FMI. Vale lembrar que o Brasil optou, desde o início da ditadura militar por tentar crescer se endividando.

Ou seja, pegava dinheiro para tentar fazer algum negócio lucrativo e devolver o emprestado.

Só que o Brasil nunca fez estes negócios lucrativos. É difícil fazer negócios com quem empresta dinheiro para você. Quem afirmou isto, há poucos dias,  foi o senador Delfin Neto, fazendo autocrítica durante uma sessão com o Ministro Guido Mantega, transmitida pela TV Senado.

O governo atual optou por pagar a dívida, não pedir mais dinheiro emprestado e aumentar suas parcerias comerciais.

Neste sentido nunca houve um presidente que tivesse tanta credibilidade quanto  o Lula, assim como o reconhecimento nacional e internacional como bom negociador.

Os setores que hoje estão na oposição e que sempre representaram a elite brasileira, estão se sentindo despersonalizados. Afinal o governo dominou a inflação, está fazendo o país crescer, a atividade industrial vem crescendo, mais de um milhão de empregos foram criados recentemente.

Ou seja, a direita ficou sem bandeiras. Em algumas votações, a direita tentou passar a ilusão de que é a favor de um salário mínimo maior, de maiores benefícios para os aposentados. Acabaram ficando com a mesma falta de credibilidade de quando eram governantes e nada faziam.

Não haverá mais eleições onde promessas românticas ou mal intencionadas venham convencer uma população ingênua. O atual governo está vendo que não era tão fácil assim modificar um país tão complexo como o Brasil. Mas também está mostrando que, com vontade política, poderemos transferir de volta, da elite e de suas empresas, o que foi retirado ao longo de todos estes anos dos salários dos mais desprotegidos.

Nestes períodos de falta de identidade, a oposição e parte da imprensa que a apóia, têm que se dedicar à baixa política, tentando focar  assuntos irrelevantes e muitas vezes preconceituosos.

Não havendo política para se contrapor, resta apenas à oposição  discutir qual o carro do Lula, se ele fuma charutos, se bebe vinhos franceses e assim por diante. É o jeito…

Dança do ventre

Vozativa edição 98 – 07 de março de 2004

O novo diretor do Datasus, Pedro Benevenuto, vai começar a sua gestão com algumas heranças ruins para administrar. Vai encontrar os funcionários insatisfeitos e com razões para isto.

Um dos métodos mais tradicionais da administração brasileira deve ter se inspirado em uma dança muito antiga: a dança do ventre. Nossos tradicionais administradores rebolam para aparecer e empurram o que podem com a barriga. Não é fácil não. A dança requer muito treino e condicionamento muscular. Adaptada à área administrativa, os praticantes desta técnica devem ter sangue frio e capacidade para superar as gastrites e palpitações cardíacas quando suas cabeças estão à prêmio.

Alguns podem estar pensando: “Será que o texto está se referindo a mim?”. Vista a carapuça se lhe couber. Há muita gente que está realmente interessada em resolver os problemas. Cada um que faça o seu exame de consciência.

Mas uma coisa é certa, muitos problemas já poderiam ter sido resolvidos e não foram.  Foram sendo empurrados com a barriga e vão acabar estourando nas mãos do novo diretor, como no caso dos contratos dos sistemas que estavam sendo desenvolvidos por empresas privadas, na contínua má utilização de recursos e na falta de integração. Isto sem falar das questões pendentes do Datasus com seus funcionários.

Vamos conhecer o novo diretor, esperando um diálogo franco e aberto para que resolvamos os problemas no Datasus.

Tu sei benevenuto, Pedro.