O que ganhamos com as eleições nos EUA?

(Leon Ayres em 14/11/2020)

A política não é uma novela de conflito entre pessoas, é um conflito entre as classes sociais. No caso da burguesia internacional, há um conflito interno que gera guerras de rapina, ou seja, onde se disputa a caça.

America first

Quando falamos destas guerras não devemos considerá-las como atos de conflitos de relações exteriores, como nos querem fazer crer. Parecem países em conflito por valores democráticos etc. Não é isto, e sim uma cortina de fumaça para disfarçar seu verdadeiro intuito: atos para minar a concorrência e desenvolvimento político-comercial.

A ação militar e sua expressão máxima, a guerra, são instrumentos de afirmação de interesses político-comerciais. Neste sentido os EUA vêm fabricando guerras para garantir seus interesses, sejam pelos democratas e/ou republicanos. E em várias situações fizeram as guerras de comum acordo.

O “America first”, verbalizado no governo Trump, foi utilizado na prática por todos os governos que o antecederam. 

Guerras bélicas e comerciais

Os democratas, quando constroem suas guerras, visam prioritariamente atrapalhar o desenvolvimento dos seus grandes rivais comerciais, a China e a Rússia. A China é o seu maior parceiro e inimigo comercial. Uma contradição complicada de lidar. A China é quem mais compra dos EUA e os EUA são os que mais compram da China. Uma sinuca de bico, difícil de resolver. Além do mais, existe uma parte significativa da indústria americana que tem suas filiais ou matrizes na China. 

Então estas corporações americanas que ganham muito dinheiro na China não querem que a ela se dê mal, pois também afetaria seus negócios. Quando recentemente os EUA compraram máscaras da China, nesta pandemia, compraram de empresa americana sediada na lá. Nem tudo “made in China” é chinês! Pode ser um produto americano. Americanos recorrem aos Russos, como aliados, para ajuda-los neste xadrez comercial. Nas últimas eleições os russos até ajudaram no processo eleitoral do Trump.

Russos e chineses são inimigos históricos. Estar do lado da Rússia pode ser uma boa tática para minar os chineses. Mas isto não quer dizer que tudo se arranja entre o EUA e a Rússia. De vez em quando aparece uma Ucrânia para atrapalhar. Negócios são negócios, alianças à parte

Países não são amigos, apenas têm interesses comuns. Por isso fica cada vez mais irônico e difícil de entender os motivos das guerras atuais

É irônico os americanos fazerem aliança com os russos, que desfilam nas comemorações exibindo bandeiras com foice, martelo e as fotos do Lênin. 

Assim como também é irônico levarem para a terra de Mao Tsé Tung, e destes atuais “antidemocratas comunistas chineses”, as suas grandes corporações.

“No meio do caminho tinha uma guerra, tinha uma guerra no meio do caminho”.

Os democratas são muito experientes na criação de guerras de interesses político-comerciais. Estes conflitos bélicos são criados exatamente onde a China e a Rússia escoam seus produtos e serviços. Criam guerras com os países que viabilizam parte de seus negócios com a China e a Rússia. São países onde passam rotas comerciais, de petróleo e gás. 

Até há pouco tempo os democratas e republicanos fizeram estas atuações de forma conjunta. Joe Biden foi um articulador fundamental, dentro dos quadros democratas, buscando a união com os republicanos nas invasões e destruições de vários países. Como, por exemplo, no caso do Afeganistão (antigo aliado narcotraficante de ópio e heroína, que ajudou a expulsar os russos), da Líbia e do Iraque (antigo aliado contra o Irã). Negócios são negócios, alianças à parte. 

As novas tentativas de guerras comerciais

O governo republicano do Trump seguiu caminhos diferentes. Durante a sua primeira campanha à presidência criticou muito estas invasões, pois não trouxeram lucros comerciais para os EUA e ainda possibilitaram a criação de um grande inimigo na época, o Estado Islâmico.

A tática de Trump era fazer guerras comerciais através de frentes com países de diversos blocos. Isto gerou um conflito interno nos EUA, tanto com os democratas como com parte dos republicanos. 

Houve certo racha entre os republicanos, que atuavam belicamente há muito tempo. Para acalmar esta indústria, que também lucra com as guerras, o governo Trump comprou uma quantidade de armamentos que compensariam as perdas comerciais. Eram as “armas que não atiravam”, segundo os críticos da política Trump.

Estas guerras comerciais não deram certo. Não houve a adesão esperada. Trump conseguiu fazer com que países mais fracos, econômica ou politicamente, aderissem a esta guerra comercial, mesmo que tivessem prejuízos nacionais.

Temos como exemplo, o atual governo brasileiro: dá para entender a sua postura, que não é de admiração aos EUA, mas de mendicância por migalhas de apoio dadas pelo Trump. 
Estes subalternos políticos, para manterem-se no poder, se utilizam do fascismo, nazismo, populismo de direita ou os três juntos. 

Trump conseguiu que o Brasil fizesse “uma cena” de conflito Brasil e China para ele fazer a sua atuação comercial. Quando o Brasil deixou de comercializar o agronegócio com a China, quem vendeu para os chineses? Os EUA. Negócios são negócios, alianças à parte. Países não são amigos, apenas têm interesses comuns.

Existem alguns projetos comerciais que estão em plena ascensão, como por exemplo, a Rota da Seda (sim, parece um projeto da antiguidade, mas é um dos grandes projetos sustentáveis chineses para este século) e o Projeto Eurásia, onde a Rússia e a Turquia e mais um conjunto de outros países do oriente médio, fazem acordos comerciais com a Europa. 

Russos e chineses são aliados e concorrentes dos EUA. Mais concorrentes que aliados. 

Mas as alianças que o governo Trump propôs não deram certo. A França, por exemplo, não está na mesma situação que o Brasil, pois tem um governo independente (liberal ou socialdemocrata) e seus próprios acordos comerciais que dão lucro. As táticas de formação de guerras comerciais do Trump geraram um grande isolamento comercial para os EUA. Isto vai deixar sequelas por um bom tempo.

Feliz está a China que ampliou sua atuação comercial. Para os chineses, os EUA terem o Trump como presidente foi um bom negócio. O Trump se atrapalhou na sua política. Os chineses aprenderam a dominar o “diabo conhecido”.

Os democratas são mais perigosos para os chineses, porque fazem guerras com pólvora e geram um estrago muito grande em vários de seus aliados (sejam políticos ou comerciais). 

A rica extrema-direita americana financia a todos

É uma grande ingenuidade, ou falta de informação, imaginar que a rica extrema-direita financia apenas o Trump e os republicanos. 

A Corporação Koch Brothers, por exemplo, que financiou Trump, também financia os democratas e grande parte da base parlamentar americana, que é católica.

Em setembro de 2015 o Papa Francisco, fez um discurso no Congresso dos Estados Unidos. Uma nova pesquisa do Fórum Internacional sobre a Globalização (IFG) revela que o bilionário do petróleo Koch Brothers gastou pelo menos US $ 23 milhões para eleger 62 congressistas católicos. 

Os Koch Brothers estão em sétimo lugar entre os grupos bilionários do mundo. São descendentes políticos do ex-senador paranóico anticomunista Joseph McCarthy. 

A Koch Brothers tem como um dos seus maiores negócios o petróleo. Possuem diversas  refinarias nos EUA, madeireiras, indústrias de papel e é dona de marcas como, por exemplo, a poderosa Lycra.

A Charles G. Koch Charitable Foundation, organização para financiar programas de ensino e pesquisa, fez doações a cientistas para disseminar que a mudança climática é um fenômeno natural, não causada por atividades humanas. 

Outra área de atuação é o armamentismo. Doam milhões à National Rifle Association (NRA) e fazem vários lobbies para combater restrições à posse e porte de armas. São conhecidos militantes racistas no combate aos direitos civis. São grupos, muitas vezes armados, que atentam contra cidadãos negros americanos. Quem assistiu o filme “Infiltrado na Klan” viu na sua última cena uma ação real contra os negros montada pelos Koch Brothers. 

Aqui no Brasil financiam os movimentos “Estudantes pela liberdade” e “Movimento Brasil Livre (MBL)”. E vale observar que o MBL rachou com o Governo Bolsonaro, que é considerado de extrema-direita. Pode parecer incoerente, mas não é. A extrema-direita não se resume a um grupo de milicianos momentaneamente bem sucedidos. A análise tem que ser política e bem mais aprofundada.

Os nazistas não perderam a guerra, estão atuando entre nós e principalmente nos governos americanos. Quem perdeu a guerra foram os alemães. Os nazistas foram para os EUA e, já de cara, criaram todo programa espacial americano no governo Kennedy, fundamental para o desenvolvimento da maior indústria de guerras da história da humanidade.

Toda esta dissertação sobre a atuação da extrema-direita americana visa desestimular este frenesi de vitória da democracia aludida às eleições americanas. 

Relembrando Einstein, que dizia “Nós não podemos resolver um problema, com o mesmo estado mental que o criou”, não imaginemos que superaremos a luta contra o nazi-fascismo a partir do país que os acolheu e financia grande parte de sua política entre os republicanos e democratas. Trump não foi o primeiro nem Biden será o último. 

O que há de positivo na eleição americana

Estamos vivendo um período onde os símbolos são mais significativos do que a análise político-econômica.

Uma mulher negra ser eleita vice-presidente é um bom símbolo. Ajuda a dar coragem e perspectivas a uma série de movimentos necessários para a emancipação das mulheres e dos negros na construção de uma sociedade mais justa e mais humana. 

Tirar da presidência um presidente que privilegia o patético também é bom, pois, em tese,  dá menos força direta a alguns grupos de extrema-direita em países como o Brasil. 

Mas não vamos nos iludir de que o que se deseja construir é um mundo melhor. Na fase atual do capitalismo, a destruição da sua base produtiva mais frágil não é um problema. 

Vamos ver políticas que não se importarão com o aumento da pobreza e serão até eugenistas, eliminando “custos desnecessários” e “seres inferiores”; uma visão recorrente do nazismo.

Aqui no Brasil, com a eleição de Biden/Harris, podemos aproveitar para fortalecer os movimentos das mulheres e negros. Mas, na minha opinião, o mais importante, neste momento, é lutar pela criação de uma democracia que nunca existiu: um governo popular-democrático. É um dos passos mais fundamentais para avançar na conjuntura e lutar pela emancipação do povo brasileiro.

Os governos da socialdemocracia brasileira abdicaram dessa proposta pela democracia burguesa.