(por Leon Ayres em 23/02/2022)
Onde este conflito vai nos levar?
Esta é a pergunta que deve nos levar a uma discussão sobre para onde vai o capitalismo que já se tornou internacionalista, mas que gera internamente uma reação nacionalista. Isto é um conflito ou um paradoxo?
Os Estados Unidos em primeiro lugar!
Esta frase, proferida pelo ex-presidente Donald Trump, pode parecer que significa que os interesses dos EUA devem se sobrepor a qualquer outro. Mas não é apenas isso.
Vou trazer para a discussão o que considero como sendo o verdadeiro significado e que explica outros movimentos políticos como, por exemplo, o Brexit.
Espero que ajude na compreensão sobre o aumento dos movimentos nacionalistas, conservadores, de direita e extrema-direita, assim como alguns fatos que estamos vendo e muitas vezes não entendendo.
Não estou pretendo fazer algum juízo de valor, mas apenas despertar em cada leitor um olhar mais apurado e crítico.
O crescimento do capitalismo internacionalista
Este fenômeno não é atual, já acontecia no início da década de 30. Só que agora atingiu uma dimensão muito maior que no passado.
Hoje em dia há empresas que têm um capital maior do que o PIB (Produto Interno Bruto) de vários países. Mais do que alguns juntos! São grandes corporações que operam e estão distribuídas em vários países.
Pode parecer exagero, mas o renomado analista americano de política e economia, Thom Hartmann, calculou que estas corporações têm capital acumulado de mais do que 20 vezes o PIB de todo o mundo! Isto para comprar à vista.
Estas corporações são maiores do que tudo que se possa imaginar e não estão submetidas a nenhuma legislação que as controle. Muitas têm sedes em paraísos fiscais e não pagam os tributos regulares dos países de origem. Não são punidas e influenciam os países onde seus capitais estão circulando. Influenciam mais do que os seus próprios países. Muitos dos seus donos, ou maiores acionistas, nem moram onde criaram suas empresas, mas em todo o mundo.
As fronteiras das suas nações não estão contidas nos seus países de origem.
Mas isto não nasceu recentemente. Após a crise de 1929, muitas empresas quebraram, muitos bancos faliram e houve muito suicídio por isso. Mas foi o período onde se formaram as grandes fortunas norte-americanas. Alguns banqueiros e empresários continuaram vivos, enriqueceram e se expandiram internacionalmente. Não como agora, mas da mesma forma, através dos mesmos métodos de atuação.
O capitalismo nacionalista
O desenvolvimento do capitalismo internacionalista gerou problemas internos em diversos países onde essas corporações se originaram. No capitalismo o crescimento do capital é fundamental para a sua sobrevivência e existe uma concorrência ferrenha entre as empresas. Quem enfraquecer, ou permanecer do mesmo tamanho, será engolido pelos mais fortes. Então, crescer está acima do que os compromissos com seus países.
Nestes momentos, quando os compromissos das empresas não estão vinculados aos seus países, crescem movimentos políticos, de base ideológica nacionalista, com a intenção de resolver este problema. Historicamente, os mais fortes deles são os movimento de direita e extrema-direita (faço esta distinção por causa dos movimentos ditos conservadores, os fascistas e os nazistas).
Dentro do campo atualmente denominado de esquerda (que cada vez está mais difícil de ser caracterizado) existe um brando viés nacionalista, mas que não tem propostas político-econômicas para fazer frente a estas corporações. Muitas vezes têm até que se curvar a elas para conseguir governar.
Em algumas situações a socialdemocracia dos países em desenvolvimento faz algumas atuações em prol das suas empresas nacionais, pois visa a melhoria das condições dos trabalhadores.
Nos movimentos socialdemocratas e trabalhistas, democratas cristãos etc., são tênues as atuações junto aos conflitos entre o capitalismo nacionalista e o internacionalista. Principalmente em países ricos. A socialdemocracia está no campo da conciliação de classe, das melhorias para a classe trabalhadora e do pacto social. Nestes países ricos existe uma vulnerabilidade das empresas nacionais frente às internacionalistas.
As empresas internacionalistas estão distribuídas em vários países, com várias sedes, com várias razões sociais e estão acima das regras que as empresas nacionais têm que seguir.
As empresas nacionais não conseguem sobreviver diante de regras que não favorecem à sua existência, muito menos ao seu crescimento. Um comerciante local cumpre as regras do local onde sua empresa foi criada. Se for cumprir regras internacionais corre o risco de não conseguir sobreviver.
Vou dar um exemplo bem simples de um empresário tradicional que sobrevive em seu país cumprindo as regras locais. Suas mercadorias atendem aos padrões locais, cumpre a legislação local, emprega funcionários locais etc.
Eis que agora ele tem que ter um padrão ou certificado internacional para produzir e vender suas mercadorias. Seus produtos vão ficar mais difíceis de serem manufaturados, ficarão mais caros e encontrará uma série de outras dificuldades. As empresas internacionalistas vão exportar as mercadorias delas para os clientes dele, que vai diminuir sua lucratividade, vai demitir funcionários e possivelmente falir. Esta situação está acontecendo em vários locais.
Vimos recentemente algumas situações em alguns países que nos foram difíceis de entender.
Há dois bons exemplos que ilustram o que estou dizendo.
O Brexit
A Inglaterra entrou na Comunidade Européia e se adequou às regras do bloco. Foi bom para as empresas internacionalistas, pois também abriram seus mercados. Mas trouxe um grande transtorno para os pequenos, médios e grandes empresários ingleses.
Na Europa, a Comunidade Européia estabelece as regras comerciais para os países que compõem o bloco. Ou seja, algumas das maiores empresas internacionalistas européias. Algumas inglesas e a maioria alemãs.
As grandes corporações inglesas se beneficiaram, mas os empresários locais não. Muitos quebraram, muitos empregados tiveram que ser demitidos e o tradicional e secular orgulho inglês caiu na angústia e depressão. Começou um grande movimento de descontentamento.
O movimento acabou desembocando na proposta de saída da Inglaterra da Comunidade Européia. Funcionando ou não, esta tática mostrou a alternativa da direita para esta situação. O nacionalismo arrebanhou adeptos, cresceu e as outras linhas políticas ficaram apreensivas.
O fenômeno Trump
Quem imagina que o ex-presidente ganhou as eleições por causa das redes sociais, se enganou.
Nos EUA estão localizadas as maiores corporações do planeta. Estão em todos os setores das atividades humanas e distribuídas em todos os países. Até no seu grande rival comercial, a China. Está cheia de corporações norte-americanas vendendo produtos Made in China. Nos EUA estão as matrizes, mas nem sempre. A maior parte dos seus capitais está fora, pagando menos ou nada de impostos.
Assim como na Inglaterra, as grandes corporações não sofreram, como as pequenas, médias e grandes empresas exclusivamente americanas. Da mesma forma, do que na Inglaterra, muitas empresas quebraram, muitos empregados foram demitidos e o orgulho norte-americano decaiu.
A situação interna também piorou por causa da sua falta de capacidade de rápida recuperação econômica pós-crise de 2008. Os EUA quando saem de uma crise, quase sempre, crescem cerca de 4% ao ano. Desta última vez se penduraram em um mísero 2%. Ou seja, cresceram apenas a metade, ou pensando de outra forma: encolheram.
No interior dos EUA este cenário foi o pior. O padrão de vida das pessoas e das empresas locais quase que despencou. Assim como na Inglaterra surgiu um grande movimento de descontentamento e também cresceu o nacionalismo. Este foi o eleitorado que fez a diferença nas eleições, e não o desempenho das redes sociais. Não é a propaganda que ganha as eleições, mas a base política. E esta foi a base do ex-presidente.
A frase “America first” (EUA em primeiro lugar) foi um recado de campanha eleitoral para as grandes corporações norte-americanas, cujas fronteiras nacionais não mais estavam no seu país de origem. E esta frase aglutinou os nacionalistas norte-americanos e a extrema-direita.
A direita e extrema-direita americana ajudaram a alavancar a campanha de um despreparado, mas carismático falastrão. Há de se lembrar que até ator de cinema foi eleito presidente apoiado pelas extrema-direita norte-americana e alemã (que ainda existem e atuam nos dois países). A família Koch Brothers, por exemplo, uma das mais ricas dos EUA, de extrema-direita, racista, teve papel importante no financiamento da campanha do ex-presidente.
Quem viu o filme “Infiltrado na Klan” viu as cenas reais da atuação da Koch Brothers em uma manifestação.
Onde estão as fronteiras e de que lado estou?
Boa pergunta. Agora o artigo continua nos seus pensamentos e nas suas conclusões. Discutir é o mais importante!