Vozativa edição 96 – 09 de janeiro de 2004
Gostaria de dividir com os demais colegas, esta pequena análise do governo Lula, que com apenas um ano de existência, conseguiu significativas vitórias na política e na economia, que nunca haviam sido alcançados pelos governos anteriores. Se há críticas a este governo, estas não são as que a oposição recita.
Há alguns anos atrás nenhum analista político tinha outro discurso senão o de que o Lula só chegaria ao poder se fizesse uma aliança de centro-esquerda. Todos sempre o criticaram por não ter feito as alianças necessárias para ganhar uma eleição e iniciar, no Brasil, um governo de tendências de esquerda. A crítica estava certa, Lula fez uma aliança de centro-esquerda e venceu as eleições.
Administrar esta frente não será tarefa fácil, mas temos o exemplo do Itamar que conseguiu bons resultados na sua composição de centro-direita. O importante para a sobrevivência de governos de composição é criar no centro com vieses para a direita ou esquerda.
No Brasil, todos os governos de esquerda que tentaram fazer rupturas, sem bases sólidas para dar continuidade aos seus projetos, acabaram derrotados pela reação da direita. O presidente da Venezuela, Hugo Chavez, cometeu o mesmo erro e agora está numa situação difícil.
Nas composições de direita, as ações da burguesia (banqueiros, industriais, latifundiários etc) são as que determinam o viés [tendência] para a direita. Para isto montam seus lobbies, criam seus fatos políticos e enfrentam seus desafios para o avanço da direita.
Nos casos das composições de centro-esquerda, as ações dos trabalhadores é que vão determinar o viés para a esquerda.
Os trabalhadores necessitam criar instituições que lhes garantam poder nas disputas naturais dos interesses de classe.
Como diz o próprio Lula: “ninguém respeita que senta numa mesa de negociação com a cabeça baixa…”. O desafio dos trabalhadores neste governo é ocupar espaços (que sempre foram preenchidos pela burguesia) com a decisão de quem quer ocupar o poder.
“As previsões terroristas na época da campanha escondiam a incapacidade do PSDB e do PFL em terem uma análise política correta. Atualmente os dois partidos perambulam como zumbis esperneantes , sem identidade, e sem ter a que se opor. “
Lula não vai conseguir
Durante a campanha eleitoral, a possível vitória de Lula foi prenunciada com os piores presságios possíveis. Naquela época, o medo e o caos seriam os ingredientes do caldeirão do inferno esquentados pelo inexperiente Lula. Após um ano de governo, a história que se revela é outra bem diferente.
Lula, a quem Collor, Serra, Maluf e outros guardiões da burguesia diziam não ter condições para interlocução com representantes internacionais, tornou-se uma figura internacional, apontada como paradigma democrático. Lula foi convidados pelos mais poderosos chefes de estado para visitar seus países, estabelecer boas intenções diplomáticas, ou no mínimo, para tirarem fotografia ao seu lado. Quando o FHC elegeu-se presidente, fez uma longa viagem pelo mundo e não foi recebido por nenhum chefe-de-estado.
Lula, do ponto de vista internacional, já elevou a auto-estima do brasileiro. Com a brilhante ajuda de Celso Amorim, Lula conseguiu colocar o Brasil no mapa.
Caos econômico
Pela primeira vez, estamos vendo o Brasil de cabeça em pé, sendo respeitado pela comunidade internacional.
Também, segundo a previsão dos liberais no período eleitoral, a economia iria ao caos, em direção a situação político-econômica da Argentina.
No final de 2003, a inflação encontra-se controlada, o Risco País caiu de 3.000 pontos para menos de 500, assim como as nossas exportações bateram recordes históricos. Isto tudo com o orçamento feito no governo passado e com as suas mórbidas heranças.
O desempenho do governo neste primeiro ano já superou os objetivos de equilíbrio econômico tentados durante os oito anos do governo anterior. O Brasil está para se tornar um modelo de desenvolvimento para o mundo.
Este desenvolvimento será bastante facilitado se conseguirmos formar parcerias comerciais com a Rússia, Índia e China que também são países populosos, em desenvolvimento e complementares comercialmente em vários segmentos da economia.
Os limites do poder
Uma das coisas mais comuns é a sensação, após uma vitória eleitoral, de que se conseguiu chegar ao poder. Ledo engano.
No dia seguinte à posse, o ocupante do cargo percebe que o poder é efêmero e que não se subordina aos seus projetos políticos só porque ele se elegeu.
Veja em que situação o governo fica, na questão agrícola.
Quando uma industria cresce 1,5% ao ano, solta rojões e espoca champanha. A agricultura no Brasil cresce 4,5% ao ano.
Ou seja, é o setor que mais cresce, propiciando superávits comerciais, gerando empregos e também alavancando parte da indústria e do comércio.
Então o governo deve incentivar o setor a produzir cada vez mais (porque há espaço para isto) e exportar. E é o que ele está fazendo.
Mas há um problema. Quem são os produtores? Os ruralistas, que são inimigos dos Sem-Terra. Os Sem-Terra sempre tiveram o Lula como aliado.
Lula, que disputou espaços políticos com os ruralistas, agora os têm como parceiros comerciais. Ou seja, é uma equação política, que precisa de um malabarista para administra-la, já que não dá para resolve-la.
Neoliberalismo quase acaba com o Brasil
No final das contas, o ano de 2003 foi bastante importante para o governo, pois criou as condições necessárias para tirar o Brasil da estagnação econômica que tendia para o aumento da miséria. Além do mais, os neoliberais estavam entregando o país através de uma política de privatização (lembram?), que só deu em mais miséria e desemprego. Nunca os trabalhadores ficaram tão vulneráveis quanto no período neoliberal.
O neoliberalismo começou a se consolidar a partir do governo Collor, há mais de dez anos atrás. Até a vitória de Lula, os neoliberais conseguiram desmantelar o Estado e ocupar importantes espaços no poder. Acabar com o neoliberalismo não será uma tarefa fácil para o governo, que se viu obrigado a compor com alguns dos seus segmentos para poder consolidar a aliança de centro-esquerda que viabilizou a vitória de Lula.
Combater as práticas ruins
Mas também devemos ter capacidade crítica para combater algumas práticas ruins. Estas práticas foram consolidadas ao longo de muitos anos e ainda correm com certa fluidez nas veias da administração pública, por exemplo.
Pudemos ver claramente os casos da FUNASA e do INCA, onde várias nomeações foram contestadas, inclusive por ação de militantes do próprio PT, e revistas por parte do Ministério da Saúde. Uma vitória localizada que permite mostrar que combater as práticas ruins dentro do governo, ajuda o próprio governo.
Feliz 2004
Lula não é o pai de todos, como Getúlio Vargas. Ele não governará por nós, como dizem e querem os demagogos. O brasileiro precisa abandonar um antigo mito de esperar sempre por um salvador da pátria (“uma herança do período escravista”, como diria Jacob Gorender).
A vitória do Lula não é apenas do Lula. Sua ascensão ao poder é o resultado de uma luta que começou há mais de cem anos com os anarquistas e socialistas. O governo Lula é uma importante etapa histórica desta luta, mas sem o empurrão dos trabalhadores esta roda não vai girar. Se este governo não der certo, o próximo será de direita. Precisamos ser impetuosos e determinados.
Desejo a todos um feliz 2004, com muita saúde, paz e correção da diferença de vencimento. Vamos à luta.