Do liberalismo utópico ao liberalismo científico

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“As aventuras da socialdemocracia na busca de sua identidade”

A socialdemocracia em 1 minuto

Ao longo de várias décadas, a socialdemocracia vem tentando ocupar seu espaço na luta politica. No início do século XX foi inserida nos movimentos revolucionários proletários, optando por um dos lados do conflito entre capital e trabalho.

Após a Segunda Guerra a socialdemocracia já perdera o seu caráter revolucionário, afirmando ser possível a conciliação entre o capital e o trabalho. Este pacto social propõe que a classe dominante retorne para os trabalhadores parte da mais-valia apropriada na produção de riquezas, assim como o arrefecimento da luta revolucionária trocando-a por outra, por melhorias de vida. Começaram as experiências com transferências desta mais-valia através de programas de ganhos remuneratórios proporcionais à lucratividade das empresas. Em tese, se a empresa lucrasse mais, os empregados também receberiam mais.

Este programa de distribuição de renda foi largamente experimentado na Europa, onde os trabalhadores da Volkswagen, por exemplo, obtiveram considerável melhoria dos seus padrões de vida.  Mas os donos e os trabalhadores da Volkswagen, dentro dos seus objetivos competitivos, também perceberam que ganhariam mais se não adotassem esta mesma política de distribuição dos lucros nas suas filiais em outros países. A Volkswagen no Brasil produz e exporta mais que a alemã. Através de arrocho salarial, a mais-valia dos trabalhadores da Volkswagen brasileira retorna para a matriz em forma de lucro. Para ser socialdemocrata na Europa necessita-se utilizar de políticas liberais na América Latina, por exemplo.

No Brasil a Varig operava um modelo onde, em tese, todos os seus funcionários seriam cotistas da Fundação Ruben Berta, empresa holding da Varig e as várias outras que compunham o grupo. Este modelo conceitual, nunca implementou uma política de participação nos lucros a partir do aumento de produtividade. A Varig sempre ofereceu ganhos indiretos e benefícios através dos serviços como descontos de passagem, restaurante a preço baixo e serviço médico nos locais de trabalho etc.

A socialdemocracia içou suas velas para navegar, mas pegou fortes ventos que balançaram o barco para a esquerda e para a direita. A economia capitalista tende à expansão em uma tentativa natural de transformar tudo em capital, para sua própria sobrevivência. Isto extrapola as forças de contensão socialdemocrata sobre o capitalismo, na sua intenção de torna-lo ”mais humano”.

Engels se esforçou em mostrar a visão ingênua e utópica de correntes políticas que acham que a classe dominada vai tocar o coração da classe dominante através de belos princípios humanistas. O liberalismo não é monolítico e nele também há uma corrente que acha que a classe dominante pode ter o seu coração tocado e “dividir o pão” para construir uma sociedade MENOS desigual e um capitalismo mais humano e estável. É a Utopia do liberalismo progressista.

De outro lado vemos um liberalismo conservador, expansionista, que domina a política macroeconômica mundial, através do mercado financeiro e das guerras, levando o capitalismo ao estágio do império dos oligopólios, previsto por Marx.

Fábrica de crises

O liberalismo é um sistema que se desenvolve a partir de uma percepção e foco na atuação individual e não coletiva, e por isto cria uma noção de direito individual e não de necessidade da coletividade. Esta ideia apoia a institucionalização da propriedade privada, apontando para visão econômica que visa a acumulação concentrada de riquezas.

O liberalismo autointitulado progressista acredita que o sistema capitalista deve se preocupar em evitar, ou minimizar, as desigualdades para fortalecer a economia. Para os liberais progressistas a acumulação excessiva de capital cria condições vulneráveis para o sistema capitalista, criando crises que propiciam mais acúmulo de capital por alguns poucos, gerando mais miséria e suas mazelas.

Os liberais conservadores (intitulado pelos liberais progressistas, de predadores) acumulam capital de forma rápida e incessante. Estes liberais são donos dos maiores bancos, instituições financeiras, indústrias bélicas e de alguns países também. Eles formam as grandes corporações que atualmente têm, em dinheiro, 1,2 quatrilhão de dólares disponível para comprar à vista. Isto é cerca de 20 vezes tudo que é produzido em todo o mundo! É o Hot Money, um dinheiro que vem rápido e totalmente disponível. Estes liberais conservadores financiam a eleição de vários governos que atuam como instrumentos de transfusão de capital das veias dos trabalhadores para as grandes corporações.

Segundo o analista americano de política e economia Thom Hartmann, a crise de 1929 (a Grande Depressão) trouxe diversos ensinamentos para estes liberais. Naquele período tudo se desvalorizou. Então, quem tinha dinheiro na mão comprou barato. Apesar de milhões de americanos ficarem desempregados, de a produção industrial cair pela metade e provocar a quebra de mais de 5.000 bancos, a crise criou as maiores fortunas americanas. Na época o lema era “dinheiro vivo manda”. Após este período, muitas medidas de controle do sistema financeiro foram adotadas para se evitar que uma nova crise acontecesse. Mas várias medidas foram derrubadas nos governos Reagan e Bush Jr. A crise de 1929 foi criada a partir de uma sistemática que vemos bastante nas propagandas das campanhas eleitorais nacionais pelos partidos políticos que se propõem à “modernização da economia”.

A descriminalização de drogas letais

Uma forma de você transferir renda do capital para o trabalho e vice-versa é através da tributação diferenciada dos impostos. Também é uma forma de você controlar a economia para que os que os que têm grande capacidade de acumular capital e comprar não criem situações críticas para o sistema como um todo. Impostos são a forma tradicional de transferência. Podem ser progressivos e às vezes até incidir sobre o patrimônio. Quando os impostos sobre os mais ricos estão abaixo de determinado patamar (nos EUA 50%) há um acelerado acúmulo de dinheiro, o Hot Money, que pode comprar tudo a preços baixíssimos e criam-se as bolhas de crescimentos artificiais que acabam desestabilizando a economia.

Na década de 20 os americanos propuseram a redução do imposto máximo de 91%, para milionários e bilionários, para 25%. Privatizaram órgãos e atividades governamentais, desregulamentaram vários setores. O lema era “menos governo nas empresas, mais empresas no governo”. Segundo os analistas econômicos americanos, estas medidas levaram ao crash de 1929.

As regras adotadas após a crise de 1929, para se evitar que uma nova crise acontecesse, sofreram modificações ao longo do governo Reagan. É derrubada a Lei Antitrust, que permitiu a crescente junção entre empresas, tornando-as monolíticas. Igualmente se beneficiaram da Reforma da Previdência, tirando dinheiro dos aposentados para o sistema financeiro. Outro mecanismo que beneficiou o ataque predatório foi a desregulamentação do sistema bancário americano.

Estamos diante de mais uma crise, que explodiu em 2008, mas começou antes, e que, segundo Thom Hartmann, criará em 2016 um novo crash. Para ele esta crise, assim como as outras são tecnicamente provocadas para acelerar o processo voraz de acúmulo de capital.

Nos EUA uma bolha no mercado de hipotecas propiciou a transferência de renda da classe média para o mercado financeiro através de investimentos em Derivativos.

Derivativos são investimentos financeiros que recebem esta denominação porque seu preço de compra e venda deriva do preço de outro ativo, um bem ou outro instrumento financeiro. Por exemplo: o mercado futuro de petróleo é uma modalidade de derivativo cujo preço depende dos negócios realizados no mercado a vista de petróleo, seu instrumento de referência. O contrato futuro de dólar deriva do dólar a vista, o futuro de café, do café a vista, e assim por diante. Estes investidores não são obrigados a divulgar publicamente o montante disponível em carteira. Trata-se de um tipo de investimento obscuro, e não apenas para quem está de fora.

O negócio, apesar de complexo, tem uma lógica bem simples, como em 1929.

Criou-se uma bolha com a elevação artificial do preço dos imóveis que levou a um crash que abalou a economia americana e mais uma dúzia de países, como pinos de boliche. Os investimentos Derivativos indexados pelo mercado de hipotecas despencaram. Imediatamente as grandes corporações mudaram de posição e investiram neste mercado. Ou seja, compraram a preços irrisórios. Em seguida compraram as casas que haviam se desvalorizado nesta crise. A empresa Blackstone Group (atuante nos mercados financeiro e bélico), em um dia, comprou milhares de casas em Atlanta. Subiram os rendimentos dos investimentos de Derivativos indexados pelo mercado de hipotecas. Mais um lucro com apenas uma operação. E por aí vai… As grandes corporações acumularam mais capital, transferido, nos EUA, da classe média. Estes investimentos em Derivativos, que permitem especulações que podem levar à pobreza boa parte da população mundial já foram considerados crime nos EUA! No governo Reagan a legislação foi modificada. Uma descriminalização de drogas letais! Segundo relatórios da ONG Oxfam International, após a crise de 2008 a desigualdade aumentou em todo o planeta enquanto dobrou o número de bilionários…

Deverão ser cerca de 10 anos de crise. Tempos favoráveis à radicalização dos movimentos políticos, que em época de crise, tentam aproveitar a conjuntura para uma tomada mais rápida do poder e mudar o modelo político, ou, em contrapartida, tentar garantir a preservação um modelo em desgaste ou obsolescência.

UFC Brasil: conflitos de interesses entre os liberais e socialdemocratas

No Brasil os liberais conservadores dominaram a economia desde o golpe civil-militar, estruturado em benefício dos liberais e operacionalizado pelos militares brasileiros.

A socialdemocracia brasileira se estruturou durante as lutas contra a ditadura. A maioria das organizações que combatiam a ditadura ainda não tinha percebido quais eram seus verdadeiros programas máximos em função de terem como foco mais importante o inimigo comum. Em um movimento de descontentes, nem todo mundo tem o mesmo projeto.  O MDB foi um ambiente favorável para o desenvolvimento de um centro político cultural para a modelagem da emergente socialdemocracia pós-ditadura. O tolerante MDB nasceu com a finalidade de abrigar diversas tendências políticas em suas fileiras. Com o avanço da conjuntura, os socialdemocratas foram ocupando o cenário político, com expressões como o sindicalismo de base operária industrial, o trabalhismo, o socialismo moreno, o social-liberalismo etc.

A socialdemocracia sindicalista nasceu do vácuo político deixado pelos partidos comunistas brasileiros, que ao se subordinarem a estruturas internacionais acabaram se alinhando com políticas que naturalmente focavam mais as lutas políticas internacionais que a realidade brasileira. Os partidos comunistas brasileiros ligados à Europa ou União Soviética, por exemplo, tinham que muitas vezes abdicar de táticas para enfrentamento da luta de classe em função de proteger algum enfrentamento ou negociação internacional.

A socialdemocracia sindicalista fundou seu partido, aglutinando, no início, diversas tendências políticas marxistas, anarquistas, trotskistas e religiosas, órfãos de uma frente política que as abrigasse. Este foi o período onde a luta política enriqueceu-se, criando uma nova política de formação de base partidária popular que os partidos comunistas naquele período também não adotavam, uma vez que os investimentos destes partidos, na sua formação ou em períodos de repressão, são na qualidade e não na quantidade dos quadros.

Com o avanço e o crescimento da socialdemocracia sindicalista, a luta interna se acirrou. A corrente que fundou o Partido dos Trabalhadores se viu ameaçada pelas outras de orientações marxistas que formavam um bloco para tentar a hegemonia. Esta disputa, ganha pela corrente fundadora, denominada Articulação, foi chamada de “revolta dos bagrinhos”, um marco para definição de uma hegemonia que colocou no programa partidário a definição do seu caráter formalmente socialdemocrata. Foi neste período que várias correntes de cunho marxistas racharam com o partido, ou foram expulsas. Outros partidos socialdemocratas foram sendo criados simultaneamente com alguma expressão, como o PDT, PSB, PSOL. Na socialdemocracia, modelos liberais considerados progressistas foram agregados ao programa mínimo de diversos partidos para alavancar a economia, utilizando mecanismos de distribuição de renda e lucro através do controle de impostos e programas de transferência de renda.

Não vamos nos confundir por causa das siglas partidárias. O PSD e o PSDB, apesar das letras S e D, são partidos predominantemente liberais. O liberalismo mais conservador criou sua zona de influência política se inserindo em diversos partidos políticos brasileiros de: direita ou liberais. Até 2002 os liberais conservadores dominaram as políticas econômicas no Brasil com seus lucrativos planos econômicos. O modo de operar dos liberais predadores no Brasil não é diferente do resto do mundo. E os vimos nos endividando internacionalmente, quebrando a economia brasileira e adquirindo ativos preciosos a preços irrisórios. Mesmo o “milagre brasileiro” foi uma armadilha. Ficamos muito endividados e mais dependentes do mercado financeiro internacional. No Brasil, o liberalismo conservador sempre foi hegemônico, apoiado nas grandes corporações.

A adoção de programas de transferência de renda, a partir de 2003, principalmente para a população que não representa lucro mais imediato, contraria uma série de interesses liberais das grandes corporações. Para a população interessa o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e para o grande capital o Superávit Primário (quanto o governo economizou para transferir para as corporações).

Em épocas de crise, alguém tem que arcar com o ônus. As corporações têm que manter seu desenvolvimento capitalista e acumular. A compensação, em prol das corporações, se dá através do não pagamento de salários, garantido o lucro ou minimizando prejuízos da competição capitalista. Ou seja, o desemprego como instrumento de deslocamento de renda do trabalho para o capital. A socialdemocracia sindicalista brasileira optou por não permitir esta realização de lucros através do desemprego, o que gerou um grande descontentamento, mesmo de setores liberais que vinham dando apoio ao governo.

Reproduzindo o cenário mundial, o Brasil apresenta uma rinha de liberais e socialdemocratas disputando o aparelho de Estado para defender seus interesses. Pela utópica e frágil fundamentação, os socialdemocratas e liberais progressistas têm que ceder nas negociações.

Para a socialdemocracia brasileira, a tática de sobrevivência seria ampliar seu espectro político com campos mais comprometidos, não apenas com a melhoria de vida, mas com a luta para reincorporar a renda desviada do trabalho para o capital.

A Nova Ordem Mundial

Os liberais conservadores, que já têm o capital financeiro e a indústria bélica, já se preparam para o acirramento do enfrentamento político-econômico, criando, como sempre, as condições para um novo crescimento do fascismo, como suporte e proteção dos seus interesses em período de mais fragilidade.

A destruição e reconstrução de países virou um grande investimento no mercado de derivativos, indexados por setores ligados a serviços e produtos de alta tecnologia. O sentimento nacionalista baseado no conceito de território está se fragmentando na África e no Oriente Médio. Quem sustenta a unidade destas nações são a religião e a etnia. Uma nova ordem mundial está sendo criada a partir da lógica dos oligopólios.

Há cerca de vinte vezes o PIB mundial acumulado nas mãos de alguns bilionários. Com um quarto desta quantia poderíamos acabar com o desemprego, a miséria, a fome, muitas doenças e as guerras, em todo o planeta.

2 thoughts on “Do liberalismo utópico ao liberalismo científico
  1. O texto nos dá uma dimensão daquilo a que estamos sujeitos nos dias atuais, sem que possamos perceber.

    Sobre “…tempos favoráveis à radicalização dos movimentos políticos”, é o que acabamos de ver nas últimas eleições passadas (OUT/2014), com um grande contingente da população brasileira votando no partido dito socialdemocrata.

    Quanto às Aventuras da Social Democracia, compreendi a correlação feita com o legado dos partidos comunistas, redundando na formação da vertente sindicalista, para abrigo de várias correntes de esquerda, culminando com a formação de um partido, o PT. E depois o expurgo do radicalismo e a opção pela via moderada, através da “Revolta dos Bagrinhos”, definindo assim o triunfo da ala fundadora do partido sobre as tais correntes marxistas;

    E também a adoção do Modelo de “…mecanismos de distribuição de renda e lucro através do controle de impostos e de programas de transferência de renda.”

    Boa a assertiva de que, para a população interessa o IDH, enquanto que, para as corporações, o superávit primário, que é a sobra de ouro a lhes ser repassada.

    Entendi as comparações feitas com Descriminalização e UFC Brasil.

    É estarrecedor para os reles mortais, nós, assalariados, ler, vez ou outra, mesmo já mais do que sabido, sobre o liberalismo conservador e sua acumulação de capital de forma rápida e incessante pelos capitalistas dos bancos, das indústrias bélicas e das instituições financeiras;

    Sobretudo pelos números, cujo montante acumulado chega à quatro trilhões de dólares, algo que daria para acabar com a pobreza, a fome e doenças;

    Cuidam para a continuidade dessa profunda desigualdade provocando crises que ” são tecnicamente provocadas para acelerar o processo voraz de acúmulo de capital.”

    Sobre o assunto, enviei por email, em 17/05/14, a reportagem ‘o-panico-a-piketty-e-a-direita-sem-ideias’, escrito pelo Paul Krugman, que afirma:

    “Piketty não é o primeiro economista a ressaltar que estamos experimentando um forte aumento da desigualdade, ou até mesmo a enfatizar o contraste entre o lento crescimento da renda para a maioria da população e os rendimentos altíssimos no topo…”

  2. Excelente artigo.
    Mas há uma alternativa política e economica para os países como o Brasil, fora desta disputa socialdemocrata, que é o aprofundamento do projeto Getulista.

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